"O que é característico das ilusões é o fato de derivarem de desejos humanos". - Sigmund FREUD.
Um vulto errante erra nos erros do passado e pensa no vazio. Um outro vulto, mais certo, mais luminoso, em vez de errar, acerta.
Olhos. Olhares. Um sorriso tímido. Um sorriso aberto. Um sorriso demoníaco de sacerdote sacrificial. Tabu. Medo. Receio. Nada pior que o fracasso, nada melhor que uma oportunidade.
Os pedestais de luzes e estrelas pairam sobre a cabeça, num céu avermelhado, rubro talvez de ansiedade, talvez de vergonha. Vou.
Uma loja. Roupas da última estação. Uma livraria, best-sellers em extinção. Um mesmo caminho. Um oi.
Tournée internacional. Um mesmo caminho. Voltas. Escadas. Ups e dows. Dias de pensamentos melancólicos, esquecidos. O fausto dia em que morre Werther e apreendo sua alma num estalar de dedos.
Um abraço, um bom abraço. Corda lançada ao fundo do poço. Cordas são como escadas. Um anjo imaculado de mão sobre o coração esconde a lua que brilha tímida por trás da nuvens.
Prometo escrever algo sensato (tenho o insight de um momento, mas é ele dito apenas no silêncio de um beijo demorado).
No alto das escadarias com as folhas de outono, como cartas lançadas ao vento, doiram os pés, o musgo, com a cor que só possuem as lembranças dos mais velhos. Lá sobre o arco da escadaria as personalidades se confudem entre vítima e algoz, personagens memoráveis (outras personalidades?) gritam do eco do tempo suas sugestões.
Percebo a mão branca da princesa, a descer veloz a escada, lançar ao cocheiro uma moeda de ouro comprando seu silêncio velado. De capuz mais negro que o medo que toma seu coração, atravessa os bosques para se encontrar com seu eleito, no alto da escadaria.
A jovem freira exilada no alto da escadaria encontra o coração exangüe de Cristo, perverte seu martírio ao se imaginar possuída por uma fé ainda maior que os cálidos beijos de sua mística.
No templo antigo, entre as colunatas, Atena altiva observa o mundo e compõe em quadros virginais toda sua mácula racionalidade.
E no alto da escadaria, que talvez fora monte, elo, ponte, buraco negro a ligar universos,o silêncio observa.
Nada sei, apenas sinto. Vultos se fundem num outro beijo, talvez ousado, talvez sonhado, talvez sequer tenha existido no mundo real e, portanto, se fez quadro de algum artista surreal.
É lá, no alto das escadarias que deixo os óculos cairem sem medo, que lente fendida me deixe não ver. Não preciso de sentidos, mais do que sentimentos. No alto das escadarias é onde se convergem todos os caminhos e todas aquelas dúvidas que se pintam de certezas. Há alguma dúvida?! Mas, no fundo, só importam o vultos, que serão sempre vultos de outros tempos, talvez Romeu e Julieta, talvez Desdêmona e Otelo, talvez Apolo e algum mortal eleito... Talvez Judas a beijar Cristo...
Mas no fundo das escadarias, lá onde a sombra do vulto pensa, palpitam corações presos de ansiedade pela noite seguinte, pela noite seguinte, pela noite seguinte... E quando o sino badala suas doze badaladas, surge o enigma das escadarias, um demônio vagueia por alguns degraus... um anjo plana sobre o umbral de floreios de esperança de salvação.
É sempre no topo das escadarias que nossos sentimentos se encontram, nas escadarias em que toda noite as estrelas laçam esperanças e que um anjo perverte um demônio, e este, mais triste que o último humano, exilado no fundo da escuridão de seu coração manchado chora a impossibilidade de ascender ao céus. E por isso espera, sempre pela rosa, pelo sonho da valsa da princesa... pelo reconfortante apelo do olhar do anjo, no cimo da escadaria...
Mas no fundo, parecem ser apenas sombras, sem histórias, mas que guardam a chave, clavícula de Salomão, que abre os portões para a escadaria dos sonhos, das ilusões que se tornam realidades.
Tudo sempre se decide, como um jogo de xadrez jogado no silêncio de um beijo, nas escadarias.
[14/02/2007]
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