Penso em te escrever. Penso números, descarto versos, páginas e mais páginas, “tudo pó”, alguém disse. Dois anos. Dois anos de quê? Nunca entendi muito bem essa cronologia ocidental, (?) inventada, a vida devia ser medida de giros, saltos, gritos, gemidos, sorrisos, lágrimas, faltas. Faz também dois anos que te conheci. Que dançamos pela primeira vez. Que nós, inevitáveis e errantes, fomos. E temos sido desde então. Nada de números. É dessa outra coisa que éramos feitos.
E agora isso. O silêncio. O eco do quarto vazio. Eu Boreal, você Austral. Que se há de fazer? Nos aceitamos assim mesmo, anacrônicos. E agora isso. Essa coisa que pesa aqui dentro, sem saber ao certo o quê, onde, quando, andando de um lado pro outro de mim, de ti, dele, de todos. Escrevi mesmo pra te dizer que ando meio assim, meio aqui, meio ai, sempre lá, sabendo voce, também, sempre acompanhado, sempre sozinho, Hemingway, Calvino, Baudelaire? Amanhecemos Clarice, lemos New Yorker Caio F., double espresso, please, depois central park, 5 PM english tea, Shakespeare, jantamos La Bohème, dormimos os mesmos. Sempre os mesmos no fim do dia…
Olho pro mesmo teto de ontem, de anteontem, de mês atrás, o mesmo desgastado no canto esquerdo, perto do abajur, no chão, o mesmo rastro de poeira no rodapé, os mesmos livros espalhados, nas paredes brancas só a falta: teu rosto, me ditando sentidos. De longe o trem passa, apita, grita teu nome, porque teu nome era assim, sem forma, sem letra, só um grito, agudo, sofrido, calava de repente. A mesma musica, I’ve drove to new york, aquela, da nossa última noite juntos, de quando o sol nascia, sul, norte, I’ve made a lot of mistakes in my mind, in my mind, eu assistia o movimento de teus lábios. Você sorri quando dorme. All things go, all things go… Han, tolice a minha. Não entender que o que me trouxe aqui, que te deixou ai, foram esses números. Os números que ignoramos, deixamos passar, cair, junto com as estrelas que esquecemos de contar. “Never mind”, you would say, “très bien ensemble, ma belle, très bien”
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Flórida, 14 de janeiro de 2011.
Andréa de Carvalho
andréa, sempre com esta delicadeza que se abre em sépia e dói devagar com um estrela brilhando tímida quando o dia quase amanhece...
ResponderExcluirnossa. adorei!
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