sábado, 15 de janeiro de 2011

São Paulo e algum caso de amor.

Para: Cidade luz por direito.
"Eta vida besta, meu Deus"
(Carlos Drummond - 1930)

Você tem um dever a cumprir. Consulte sua consciência.

Ele não saiu naquele dia. O cartaz foi colado no muro de casa. O Brás estava agitado, operários parados, as janelas tornaram-se palcos. Nunca houve tanta fofoca e boatos como naquele dia. Ao pequeno bambino só restava ajudar a avó a costurar as roupas da vizinhança. Gostava de costurar. A avó era seu porto seguro. Os irmãos mal lhe dirigiam a palavra. A mãe reparava, (com desprezo), seu singelo jeito de segurar as bonecas da prima. O pai mantinha-se ocupado em operar a máquina da tecelagem. Vivia sozinho, no seu infinito.

A cidade é infinita.

O menino perderia as primeiras aulas de ballet com a delicada instrutora, (como gostava de ser chamada), a pequena professorinha possuía uma escola de dança no centro. Alemã, fugiu de uma pequena cidade próxima ao Danúbio. Foi difícil. A cidade sempre lhe pareceu grande demais, monstruosa. Instalou-se. Casou-se. Feliz. Ser professora nunca foi seu sonho. Lago dos Cisnes no Municipal, sim. A vida acabou lhe reservando outros planos. Passou a adorar aquelas crianças. Ela amava o que fazia. Ela ensinava arte.

A cidade é cada história dessa gente.

Rua São Bento, esquina. Facilmente identificável. Quinto andar. A escola recebeu poucos alunos no início. O medo era quase que generalizado. "Será que isso fica de pé?". Bobagem. Ele erguia-se no meio do outros art-nouveau, que antes não passavam de 5 andares de altura. Olhava a cidade em sépia, tomada pela névoa. Ele sabia de tudo. Seu olhar via os homens de chapéu, que mantinham o passo apressado no Anhangabaú. Suas janelas enquadravam as mulheres, poder do Número 5 subia até a cobertura. 30 andares. O Martinelli. Ele foi o primeiro. O mais importante. Inesquecível.

A cidade é cada construção.

Tiros para o alto. Um deles atravessou a janela do 2º andar. Correria. A Galeria Prestes Maia servia de esconderijo. A multidão incontrolável. Cavalaria. Do alto, as ruas tingiam-se de verde, os soldados tomaram as avenidas. Não se via mais chapéus, o cheiro no Número 5 não fazia mais efeito. Cheiro de sangue. Os combatentes viram o sonho se distanciar. A cidade continuaria sendo apenas um motor. A vida no Brás continuaria sendo regida pela máquina. Procurando paz, imigrantes continuariam vindo. Gigantes continuaram se erguendo no horizonte. O status quo seria mantido.

A cidade é cada um deles. Homens, mulheres. Soldados.

A vida besta nunca lhe pertenceu. A vida de pormenores só pertencia às casas da Mooca. Ilha como tantas outras, pessoas cercadas de pessoas por todos os lados. Ilha como não há igual. Sem pontes de ferro que não ligam nada a lugar nenhum. A falta de sentido nas coisas é o charme da sua existência. Às vezes expansiva, às vezes introspectiva. Mão de obra altamente qualificada, metralhadora de conhecimento. Burra, como uma porta. De concreto armado, suas linhas se mostram frias, insensíveis, retas, calculadas, técnicas. Por fora, apenas. Por dentro, seus contornos assimétricos, parecem resultado de uma explosão. Difícil de entender, um mistério, um deleite. Um convite à descoberta da sua essência. Só para corajosos. Emocional, frágil, roller coaster of love. Amour. Amore. São Paulo, eu te amo.
De um Paulistano, apaixonado.

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São Paulo, 14 de janeiro 2011.
Otávio Melo

2 comentários:

  1. Adorei demais fazer esse texto!! Mais do que um presente, foi uma declaração de amor. Amo o blog e o escritor também! Que venham mais e mais anos pra esse pequeno blog que tive a sorte (ou azar) de conhecer à poucos meses atrás...Só posso te desejar BONS TEXTOS! Beijo.

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