(este texto é um golpe de linguagem)
Sempre sozinho, assim… peito desnudo, vulnerável, cobertor lançado às costas, o corpo sobre a cama. Os livros, vários, espalhados pelo chão do quarto. Não queria insistir nisto. Cansei de pintar quadros há muito tempo. As mesmas pálidas maresias, a ponte, o barquinho com um navegador. Carimbos. Havia em algum lugar a necessidade de um sorriso largo, horizontal, mas sem perspectiva. Não obstante todos acreditavam, se não acreditavam realmente, ao menos deixavam parecer acreditar. E tudo isto bastava. A convenção estava estabelecida sem feridos. Je vous aime et vous m’aimez. O que doía mais era o fato de que a máscara colorida funcionava. Ninguém jamais duvidara do que ecoaria no vazio daquele rosto, no oco escuro da mente que sobrevivia aos próprios Blackouts. Havia um cheiro estranho no corpo e um tremor de espera, mas o melhor é que talvez soubesse esperar. Havia certo descompasso na mão que realizava a maquiagem, desenhando a linha dos olhos, apenas ali, naquele reflexo condicionado de quem não sabe que diz eu. A boca rósea fechada. C’est pas moi qui l’aime, c’est elle. Talvez fosse o corpo que precisasse se cansar, quase animal e primitivo. Mas impossível não satisfazer a imagem do beijo, da cena, dos cuidados. Impossível saber o motivo do corte no primeiro tapa. É a taça partida que sempre retorna e sempre se enche outra vez. Talvez fosse necessário que o outro não falasse tanto e talvez eu não escrevesse outros tantos. Talvez um pouco de vento frio nos cabelos não dissesse da liberdade, mas apenas do roçar de leve que se põe entre pele e vento. C’est pas moi qui l’aime, c’est lui. Um atrito que produz algum frescor. Mas se o espectro terceiro, excluído da cena, mistura no mesmo chão, roupas e palavras, é que estas tem, por certo, as mesmas capacidades. Há no fundo da cena um corpo que sempre se ausenta. C’est pas elle que j’aime, c’est lui. Talvez por isso outras vozes é que sempre sobrevivam, incapazes e persistentes. A insistência talvez não fosse do corpo, mas do desejo. Os olhos eram sempre os mesmos olhos vítreos, as vozes maquinais, os autômatos é que decidiam a abertura do jogo. No limite: eu não quero jogar! Não toca o desconhecido do meu corpo com suas mãos desconhecidas tentando descobrir algo. Je ne l’aime pas, je le détèste. O meu corpo é sem palavras. Talvez devesse ignorar a primeira pessoa e seus limites territoriais nesta trama. Tentei te ligar, mas você não pode me ouvir. Quem é a pessoa que sempre foge da cena? Quem é que sempre faz cena? Il me détèste. Insistindo no delírio de procurar um crime nas palavras, fazendo inquisição e indexando segredos presos numa pequena caixa de uma Pandora. Há algo que não é tão complexo, talvez passível de recortes. Você insiste em acreditar nas palavras, quando não acredita o quê aparece é esta mentira surda e acomodada. Só consigo entender a necessidade de dar uma alma ao corpo na necessidade de que alguma coisa sempre possa ser salva. Não acredito que algo possa ser salvo. Aos poucos as letras não fazem mais sentido, o buraco do jogo é que se abre, confundindo as letras. Talvez reste o traço, o desenho primitivo da parede da caverna como uma luz, um prenúncio, neste crime de dar à pegada sempre um corpo movente. Um corpo que nunca pode estar ali.
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