sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Psicodiagnóstico

(ou: do corpo exposto numa loteria cultural)

Não vou mais te analisar, diz meu psicanalista. Aceito e troco a sessão por um jantar de comida tailandesa. Derek insiste em pôr as mãos onde não deve. Já disse isso a ele. Prefiro não pensar nestas coisas enquanto escrevo meu romance. O garoto da terceira mesa tem um dragão tatuado nas costas… e belas coxas. Estou velho: tenho câimbras. Não foi eu quem te enviou aquelas flores, você sabe, não? Flores nunca são para os finais de romance. Qual o sentido de ainda se escrever assim em pleno século XX? Essa coisa de picuinha pequeno-burguesa. Há um teor antropológico em toda imagem, mas estudaremos esta que a taça de vinho faz refletir no fundo de suas retinas. Você ainda acredita na matéria, no cérebro, no organismo, sou capaz apenas de sentir estas intensidades quentes e frias na extremidade deste desconhecido de mim. Percebes as manchas da minha maquiagem? Meu pequeno príncipe, eu já o lia aos cinco anos e em francês, diz deste essencial invisível aos olhos. Há alguma certeza que vem dos sonhos? Eu sempre vejo o mesmo filme, não sei o porquê, mas gosto de Cleópatra, entre Mélièr, Guazzoni, Edwards, DeMille… ainda prefiro Mankiewics, com Elizabeth Taylor soberana. Lembro-me quando estive em Paris, ah… la Place de La Concorde…. o obelisco de Luxor é, no mínimo, um luxo como já o apresenta o próprio nome. Preciso amarrar o instante-já para não esquecer. Como descrever a nota aromática de teu perfume, da tua respiração no meu pescoço, tudo isto que sobrevive numa pequena lembrança? Há um excesso de representação nestas palavras. Um pouco oportuno, talvez até oportunista (vamos encenar o gozo para além da durabilidade). Abra a boca, diga “oh!”, deixa-me contemplar sua língua. Deixa-me ver o quê eu vejo: o que já não é e ainda não é. Felix culpa. Há um ser que não caminha para a morte?

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