terça-feira, 31 de agosto de 2010

Desleitura

Eu voltei a ler Piva, não queria encontrar nele mais nada de Mário. Queria ver apenas o quadro borrado e distante de um grito, de um assalto, de um crime na São Paulo noturna. Sem o noturno, sem réquiem, sem notas de piano. Há sempre pílulas coloridas ao alcance da mão. Não queria me importar mais com a internet ou escrever alguma coisa inteligente. Que beijos eu dava... quando não precisava pensar. Todas as minhas tardes agora são tardes desesperadas, regidas por um gesto distante e soberano de alguém que diz: continue, assim está bom, desista, assim não pode. Há uma insegurança como verme imitando um tigre que devora minhas estranhas palavras enquanto minhas entranhas ficam intactas. Algumas vezes queria me preocupar com o abraço que você poderia me dar hoje, aquele beijo morno da manhã, mas meu coração bem-pensante e bem-feito só faz soluçar. Tenho frio e abro as janelas. Eu peço o amor em todos os seus beijos. O vento da madrugada não te traz aqui. Há a insônia, a preocupação dos livros ainda não lidos e das coisas ainda não escritas. Eu te quero ainda, preso ao meu olhar, minha flor de girassol. Fará as orações sem mim na Sé? Ouvirá os sinos do mosteiro? Passará pela Paulista no mesmo horário dos meus arroubos e do meu assalto? Eu odeio tanto esta ilha e cada vez mais. Eu odeio esta casa de escadarias assombradas. Este quarto que sempre engole minhas coisas. O último metrô talvez não nos leve pra sua casa. Queria respirar. Para que tanto sol, quando no fim nada está claro? No fim não sei o motivo de ainda escrever e falar, se escrevo difícil e o quê falo é incompreensível. Estou deslocado. Às raias de cometer um crime e quem sabe um pecado capital. É o despotismo destes livros que me aflige. Talvez Florianópolis ainda seja o mesmo Desterro de outrora. Ele devia estar aqui. No fim, não encontro nem Piva, nem Mário, nem a ti, nem a mim. Não sei mais só chorar.

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