(ou muito à Roland Barthes)
Só ele para me trazer de volta ao Marrocos, mas quem resistira aquele charme. Ele era francês, mais do que isso ele era o francês. Se ele não fosse gay certamente eu teria me casado com ele, ele não teria morrido solteiro, eu não estaria aqui precisando lembrar dele assim. mas de todo não reclamo. Reclamar era o universo dele. Ele lia muito, isto eu sabia, mas também sabia o que me esperava assim que bati na porta de seu quarto de hotel. Julia, ele disse e abriu os lábios num sorriso descompromissado. Ainda bem que você veio, je suis angoissé! Ele era um amante que sempre dizia tantas coisas, ele pensava demais, talvez este fosse o problema. Ao me mostrar o quarto, não se conteve, ele tinha dessas, tout de même, ce n’est pas chic… Olhei para sobre a escrivaninha, notei, era trabalho o que o havia trazido ao norte da África mais uma vez. Enquanto ele se arrumava diante do espelho, espiei o que tinha ali. Montaigne, Proust, Picard, Racine, Freud, Adler, Queneau, Benda, tanta gente, e tantos daqueles havia conhecido por ele. Eram fantasmas que ele havia me apresentado. Naquela noite jantaríamos juntos. Então ele parou na janela, chamou-me. A proximidade com o deserto seduzia, havia um vento leve, o deserto rumorejava. Apontou-me o que vira, divisávamos uma silhueta, um garoto, um belo garoto negro numa jaqueta jeans surrada, enquanto olhávamos o garoto parou, olhou para cima, sorriu. Orland apenas me sorriu, ele tem um belo corpo, parece ter olhos inteligentes, gosto disso, olhos inteligentes. Ambos nos abraçamos, resolvemos não sair do quarto de hotel, nos perguntávamos quem queimaríamos naquela noite. Tínhamos um hábito estranho, uma vez que precisávamos pensar, sempre sacrificávamos um de nossos pensamentos. Ele sorriu, sorria muito, sadicamente para mim, dizendo que devíamos ter nos encontrado na Tailândia, me culpava de ter ido “fazer” a América sem ele. Sem emoções contidas, ele sacou um Kant e um Descartes entre os muitos de seus livros, mandando-me escolher a vítima. Falou amorosamente, sem dispêndio, apenas como o juiz que delega o limite, sem crise, iríamos praticar um negócio sem orgasmo, mas, obviamente, com muito gozo. Ele chamava esta brincadeira de “coitus reservatus”, era o presente romântico dele para mim, uma vez que assim sabíamos que a criatura queimada nos perseguiria certo tempo. Não irá escolher, garota? Perguntou-me enquanto completava com um: … vois les sacrifices que nous faisons pour toi… nous t’avons donné a vie… mais qu’est-ce que j’en ai à foutre, de la vie! Riamos, era o que nos restava, fazendo assim teatro e teorema, sempre pensando, um pouco mais e mais além. Acabávamos sempre bebendo demais, falando demais, entregando-nos demais ao impossível que nos segurava ali, distantes e juntos, sempre juntos. Trop penser me font amours, dizia ele, nestas horas. Eu apenas encostava minha cabeça junto ao ombro dele, enquanto atirávamos páginas ao fogo, Kant e Descartes, eram descartados enquanto cantávamos juntos, pouco ébrios, lúcidos demais, tentando pensar em não pensar, abandonados ao nosso gesto, à nossa companhia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário