ainda são onze horas (agora não mais, duas e trinta e sete, madrugada - para quê serve o tempo?), a estrada sinuosa se insinua. as dores do corpo só dizem do corpo, essa falha de si como falha do relógio - uma voz que não diz. preciso de um beijo. todo este corpo que transparece em um salto de 21 cm. os extremos de mim se rompem. altura. apenas altura. quem um dia teve coroa, um dia terá sua guilhotina. não convenço como dominatrix, senhora de si e da lei. oficial, cintas ligas, lábios vermelhos, garras afiadas, feroz. essa música ocupa meus ouvidos e incomoda. não posso mais ouvir zé ramalho, não nestas curvas, não nesta noite, não agora, escrevendo. ou eu não sei.
a fila
andando, sempre meio de lado, meio altivo. gosto de metades. de meias palavras, meios significantes e nenhum discurso. rompendo o aço do espelho. saltando muito. falando muito. exigindo o grito de silêncio. as malas jogadas, nelas os saltos, a toalha e a máscara. ocupando os espaços nos ecos molhados e macios pelo gosto de vermouth. eu não vi você. eu sorri para você, na distância dos olhos, nos quilometros marcados. eu preciso de um abraço distante. deixei meu exílio, novamente, não para são paulo, não para a cidade-rio, contrária e aberta, mas para o abismo profundo de um passo, o abismo marcando a queda do corpo. no frio, na ausência da febre, eu quis você.
passo além
escadas. é coisa de mão única. aqui as estrelas não falam comigo. escadas: de onde no futuro (que é passado) eu quase cairia. as malas pesam, o ar que enche o colchão falta aos pulmões. uma elegância ignota e insignificante. no frio, nestes graus abertos como degraus negativos, eu sempre dormi à sombra de teus sonhos. perdi a ligação, a possibilidade, meu celular perdido como teu celular roubado. tão eu. tão meu. tão vazio, o frio...
sexta-feira
armar, como um mouro no deserto, a tenda, extender o domínio e entender o espaço para perseguir o tempo. a tenda, a tentação e nenhum pecado. sem éden. o almoço carnívoro de carnes ocultas e sem gosto, métalico, os talheres sem entalhe, sem pratarias, o copo plástico, o suco açucarado, ainda o frio, o toque lateral, a família, ou parte dela. a viagem, sem escolhas a chuva ainda, rodando rodando. lutando ballet, procurando se defender dos lances e assonâncias cheias de olhares judô e bocas jiu-jitsu. um gole a mais de minha vodka tônica, na falta do gim. um restaurante, que nada, lanchonete: fazendo vezes de bar, boteco, beira-de-estrada (dele só resta o chocolate e o copo roubado). a praça. o desperdício: um grand-jeté para pular uma poça d'água. à procura do táxi, da escola, da cohab. longe. dois. número dois. sem ser popular ou populista. pago a corrida. sem festa, saio cedo, no frio, de regata, minha lady não toca, mas toca em mim, conselheira (ah, a família). para me aquecer, fujo do corpo frio, esqueço-me nas cobertas silenciosas. já esquecendo a possibilidade da voz.
sábado
café da manhã perdido. um trocadilho idiota, mas sem pedido. fico com meu chá preto da rainha. nobreza ainda, tentada. earl gray: o aroma. o improviso para além das 8h da manhã. almoço vegetariano. nos olhos que se cruzam, a assonância. aqui apenas o espirro e a alergia. no raso as certezas afogam. compras. bebê doente. esqueço as escatologias. (sei que farei a obra só no último dia). banho quente, ao menos. simple life: quem sabe? sem histerismos. procurar no corpo do homem aquele lado do corpo da mulher. panos e sedas. tenho a luva, sem pelica, mas seda ainda, preta, longa e sem botões. fazer a barba sem espelho para esquecer o sexo, abrir a pele, desafiar o ponto cego dos olhos. preparar o rosto, o rosa da pele, para a maquiagem. vestir mais uma vez os saltos para a queda. deslocar sem ouvir e sem poder falar. sem reação. mancar na voz. obsessiva. na aparência nunca há algo que caí. apenas as mãos acusando e as palmas da recusa. aquiesço. amanhã terei meu chá de frutas vermelhas e nem posso telefonar para meu analista. esqueço que não posso ser confessional e torço a sintaxe.
festa
roubar a cena, implica em ser roubada. garota solteira. peguei um pouco a mais de chocolate hoje: gorda. odeio esta sensação. eu não canto. nunca. minha bolha implodiu. tudo manipulado. menos o último segundo, como aceitação ética da alteridade. social-democrata na hora que deveria assumir o minimo aristocrata de seus genes bárbaros. uma recusa não-narcisista, a frase para aplacar o ego. quando doí marca no rosto. as rugas sempre chegam, jamais se atrasam. a imagem obsecada das perfeições. um brinde em copos de plástico manchados de batom. o belo narciso se afoga. no frio não há flor que aguente, mesmo entre corbertores e travesseiros de pena. para dormir pus derrida entre minhas coxas. não chora, não sente, nem é indiferente. apenas dorme.
per-curso
atraso. graças ao relógio congelado pelo frio. um tempo deslocado. 8h são 10h. manhã. tão díficil pra um domingo. dois minutos para o mínimo de dignidade. apenas os dentes escovados. o texto em improviso. o rosto ainda maquiado. os cílios longos prendem ainda lacan, freud, descartes, kant e uma genealogia que não se vê, como o traçado dos lábios. as palavras em trânsito desviam o público, tudo é espetáculo, de meu palco feito em giz. fartos olhos sonolentos. não os meus.
resta sombra nos olhos, os traços do ontem esperando as rugas. maquiagem é o pas-au-delà do semblant.
al-moço perdido
em são paulo? em florianópolis? paris? nova iorque? eu sei onde. recuso a carne, procuro-a, mas não encontro. não encontramos. a troupe selvagem. devorando o vazio industrial. sem réclame marxista. é preciso, há fome. fato. apenas. dado no mundo. sem pragmática. as engrenagens digerem o animal. falta, talvez, mais que uma vírgula. odeio o teu silêncio. odeio a impossibilidade de falar contigo.
as mal-as
perspectiva tomada de degraus. sempre o último. dobro, desdobro. tento fazer caber para fechar o zíper. sem sintoma de intelectual. arrumadeira rápida e sem sentimentos. sempre tenho a impressão de estar deixando algo para trás.
fórmula da fantasia
o retorno. as paradas. não poder ir pra casa, os planos de amanhã, os planos pra amanhã. recuperar a comunicação ou a voz, ambos apenas. esperar você. sua resposta. o almoço marcado. o medo do táxi. as notas impossíveis.
para alguém distante
sp. silêncio. duplo. dúplice. cúmplice. rua de mão dupla. um tango argentino cede as batidas que tua mão escolhe. eu não tive minha resposta e ouço bach.
para alguém perto
temos um almoço. o que resta de tuas fugas. eu não vejo teus olhos. nao sei o que esperar. sem grosserias. não há fantasma no meu espelho.
para agora
eu cansei. fotografo. ouço minha música. chamo o blommer. ain... mágica. eu sempre me afogo no sentido. são sempre os olhos que voltam. sempre, e um pouco mais. eu estou cansado. e não quero mais escrever. cansei. vou começar a capturar as coisas ao avesso agora.
procurando por respostas, mas cansado disso?!
ResponderExcluirÉ...
acho q é assim que me sinto também.
p.s:adoro seus textos.ainda + pq consigo te achar alí no meio
=*