“O que possuem os reis que os súditos não têm, […]”.
As unhas roídas, os pés descalços, o calor e o suor. Sem cena trágica ou dramática. Apenas o vulto declinado com as luvas nas mãos. Um Shakespeare impossível de nobreza. Não é possível ir além do detalhe. Do traço negro sobre a pálpebra, da dor. Uma pérola a mais como um peso a mais. Um nome feito geografia na pele. O vulto do espelho desdenhando uma ruga a menos. A cabeça pesa para um dos lados, talvez para a esquerda. Tom sobre tom. Uma nota acima e um deslocamento na voz. Meu medo é uma ilha negra sem mágica, sem magia. Não é preciso que os olhos vejam. Só queria poder ver seu rosto ao longe diante da lente do meu telescópio de estudante. Uma estrela a mais no céu desnudo. Eu te abraçaria no fundo do reflexo, abrindo mais que a sintaxe. Bem melhor é perceber no caminho dos astros o reflexo luminoso que cega. Eu não sou outro, ou um outro. Espero. Mas não sou também ninguém ainda. Uma vida coberta de lama, acima das nuvens, medieval. Os machados e elmos destroçados por um tempo em queda. As minhas sedas machadas, o mínimo de classe, uma taça de crista trincada. Abro meu mapa sobre teu corpo, e meus lábios são o astrolábio que tenciona te guiar por estas águas inquietas para amanhã. Minha corveta não tem armas, eu sei que esqueces de mim. Enquanto o mar bate nas costas, na tua pele-areia, os lábios rosados onde distendo apenas um segredo que não posso dizer. Lanço ao mar minha garrafa com um grito preso. Gim e piratas. Meu palácio vazio e quatro metros quadrados de angústia por uma esperança, por um acaso, eu ainda te espero, antes que as flores queimem. O tempo aos poucos congela a sombra do meu rosto. O futuro será apenas um busto de gesso observando a porta por onde deverás entrar.
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