sexta-feira, 12 de março de 2010

prisma

Arrancando a máscara do rosto eu sei que não gostas de mim. Nem tu, nem aquele além, mas nem precisas. Sinto o suor do meu corpo. A água não limpa essas manchas. MacBeth não se preocupa com as mãos, ele apenas corre. Eu aqui bordo devagar, tentando segurar nas mãos enluvadas a agulha. Eu tenho meu segredo. Meu pé dói. Não queria ver gente. Não queria ver você. Bem simples assim. Tão simples assim. Como quem diz e sabe do que diz. Não teria querido descer os degraus desta arquitetura torta, não mesmo. Não queria pensar em Europa, não mesmo. Aqui, dizendo disto. Destas dores lentas em que nada se parte ou mesmo parte. Não há saída. Não no meu mundo, não com minhas luvas. Eu te pediria ajuda, mas não sei mais ler. Escrevo, não leio. Impossível ter a consciência limpar depois de escrever e tentar afogar essa coisa pulsante no mar de palavras. Duas ou três punhaladas. Talvez alguém gosta. Mas também não precisa.
*
Não te quero chorando junto a minha lápide ou tecendo péssimos versos com meu nome. Enquanto eu apenas morria, devagar, sobre os livros, pintando de longe alguma possibilidade. Não preciso de ti, ou de ti, ou menos ainda de ti. Nem mesmo sei o que isso quer dizer neste salão repleto de espelhos deformados. Não queria ser sempre a pessoa a ser saqueada. Tendo este meu íntimo invadido. Eu ainda continuo sem janelas. Não posso respirar. Ninguém parece notar isso. E nem preciso mais de maquiagem. Eu apenas cansei. Não quero mais. Não posso querer mais, não desta maneira. De que me importa este olhar ou estrada estada. Não quero. Sem lágrimas. Nunca acreditei em lágrimas. Sem ser romântico. Eu tento um último desenho em uma outra língua. Um dia que sabe, nos encontraremos num romance de capa e espera.
*
poderia esperar um pouco mais? o lápis escrevia uma cena no interior da pálpebra, traço preto e longo. a curva que se refletia era a curva condicionada dos cílios, longos e realçados por uma coragem a mais. o joelho doía. escolhia diante do espelho poucas certezas e nem tinha notícias dela. a tesoura a mão implicava o corte. simplesmente ela não poderia mais. sentia as faces mais vermelhas do que o normal. o quente do corpo advinha com o frio. a chuva que veio era uma tempestade de dúvidas. e isto apenas. pronta. fera de unhas longas e pintadas, sem nenhum uivo cedeu. calçou os saltos. mas já havia decidido. ou melhor, o inoportuno reflexo extra respondera a pergunta calada. não queria abraçar o terror de um monstro distante, que pensava destruir seus futuros. era tão plausível que nada desse certo, além do número 37 do calçado que apertava. o quarto estreito. o fim do teu verão passado, tudo dizia. havia perdido um trevo de quatro-folhas, este poderia ser o vazio de sua sorte. mas não, não o era. calada e decidida, abriu a porta. para além da maçaneta restava a decisão. a porta não era para as saídas, mas uma entrada agora. um pequena decisão que adestrava nestes momentos. pronta e fatal. olhou para o chuveiro, ligou. um jato rente de água fria cortando a noite. nenhum gemido. a maquiagem recém feita escorria pelo ralo. o perfume caro não serviria outros olfatos. precisava voltar a si. ao seu jornal diário. saltos e sedas encharcados, tirou a roupa. lançou-as a algum canto. sem reolhar ou organizar. nua saiu para a sacada. precisava esperar um pouco mais. as morte eram duras, ainda mais quando a morta era isso que se movimentava. amanhã compraria uma flor para seu mausolo.

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