sábado, 31 de janeiro de 2009

Correspondência I

OU: "Aforismas em Ricardo III"

Pena é haver águias prisioneiras quando milhafres e abutres rapinam em liberdade.
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Porque não sei dar lisonja nem ter aspecto afável, sorrir perante os homens, afagar, enganar e fingir, curvar-me como os franceses e arremedar cortesias, tenho de ser considerado um rancoroso inimigo?
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(...) desde que qualquer Joane se muda em fidalgo, há muita gente fidalga que se transforma em Joane.
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Por Deus que me elevou da felicidade tranqüila que eu gozava a essas alturas inseguras (...).
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Vosso título recente ainda não é moeda usada. Oh, se a vossa tenra nobreza pudesse fazer juízo do que é perdê-la e assim ser miserável! Aqueles que estão no alto cume são por muitos ventos sacudidos, e, se caírem, em pedaços se repartem.
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A dor quebra as estações e as horas de repouso, faz da noite manhã, e da tarde noite. Os príncipes mais não têm que os títulos por glória, honras exteriores para um interior tormento, e em lugar de imaginados prazeres irreais, eles muitas vezes sentem um mundo de desassossegados cuidados. De sorte que entre seus títulos e um humilde nome não há qualquer diferença senão a fama exterior.
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Um príncipe pedinte, que pedinte o não lastima?
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Seria dor perdida chorar por quem perdido está.
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Sempre assim é antes dos dias de mudança. Por divino instinto as mentes dos homens pressentem o perigo que aí vem, como se vê subir as águas antes de grande procela.
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Ora, eu sei mudar-me em grande trágico. Falar e olhar para trás e espreitar por todos os lados, tremor e assustar-me com o bulir de uma palha, manifestando suspeição profunda. Olhares terríficos tenho-os a meu mando tal como sorrisos fingidos, e ambos como meus servidores prontos estão em qualquer tempo a ajudar minhas manhas.
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Quem tão bruto é que não veja ardil tão manifesto? Porém, quem tão ousado é que diga que o está vendo? O mundo é mau, todas as coisas acabam no mal quando tais nefastos efeitos se têm de guardar no pensamento.
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(...)fazei de donzela: muito embora digais não, concedei.
*

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

[caminho]

Itálicoquando caminhas lento
em meio as nuvens
desatento
no escuro do brilho
que tão somente teu olhos tens
percebo
enfim
na última palavra
num verso solto
entre saltos sintáticos
meu ritmo de pé quebrado
como a respiração
entrecortada
pelo fluxo
atropelado
dos desejos
e fico
por aí
apenas
entre dezenas
apenas olhando
enquanto teu reflexo passa
e me afoga.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Galerie des Glaces

abre-se a flor
fina névoa
entre os papéis
que respiram
insistem
inscrevem
na pedra
que salta
e aquece
o colo
da menina
oculta no fundo
dos olhos
do espelho d'água
e arrasa
a superfície
da pele
e
fechando as pernas
como quem fecha as portas
e comportas
do desejo
última fortaleza
esculpida
na nobreza
de alguns soluços
nobres
e sussurros
pardos
doces como açucar
destilado dos sonhos
proibidos

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Pitágoras

Corto a carne

em três lados,

a pele arde:



-superfície dos dados -

que se arma,

que se ama,



em três fatias

de desejo

trianguladas